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quarta-feira, 15 de abril de 2015

ENTREVISTA - Cineasta Chapadinhense Dewis Caldas Apresenta Trilogia Cavaquinho


Do Portal XPressing Music

Dewis Caldas é jornalista, músico e dedica-se à produção e realização de documentários. Desde 2006 trabalha na produção de bandas e festivais de música, já tocou em diversos grupos musicais como guitarrista e contrabaixista. Escreve sobre música há oito anos, tendo já publicado artigos em meios de comunicação de quinze estados brasileiros, além de países como Itália e Inglaterra. Há três anos que se dedica aos documentários numa perspetiva etnomusicológica e de pesquisa musical. Dewis já dirigiu 16 filmes, sendo a maioria destes sobre música e músicos tradicionais.

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Em 2013 fundou, em parceria com a sua esposa, a publicitária e atriz Aline Camargo Caldas (ambos na foto acima), a Maranhas Filmes, empresa brasileira especializada em documentários musicais. Os dois embarcaram nesta aventura do cavaquinho. Aline é a produtora e captadora de áudio da trilogia e Dewis Caldas é o diretor, fotógrafo e roteirista.


Este vídeo real apresenta parte das imagens coletadas até agora do projeto Trilogia documental Cavaquinhos, que vai apresentar um panorama audiovisual completo sobre o CAVAQUINHO em Portugal. Serão três documentários longa-metragens rodado de norte a sul do país entrevistando os principais músicos, construtores, grupos e investigadores deste emblemático cordofone da cultura portuguesa. 



Trilogia Cavaquinhos está quase concluída. Quais as principais motivações que tiveram para dar corpo a este projeto? Consideram importante apresentar ao mundo um panorama audiovisual completo sobre o Cavaquinho em Portugal?

Na trajetória da Maranhas Filmes, o ponto central é a música tradicional, ou seja, a cultura popular no âmbito etnomusicológico. Nos filmes que já produzimos falámos sobre o forró e o brega no Maranhão, sobre a cultura popular em Pernambuco, aspetos da música pantaneiro em Mato Grosso e, também na Itália, sobre a música tradicional na Basilicata. Assim, sempre com olho atento à musicalidade, sobretudo brasileira, nasceu um enorme interesse pela origem do cavaquinho brasileiro (ou o instrumento que originou). No nosso país, o cavaquinho é extremamente forte, marcando a sua presença em géneros populares como o samba, o pagode, o baião, de norte a sul de todo o território. Assim surgiu a questão: "mas como está, ou o que é o cavaquinho português, aquele que deu origem ao nosso cavaquinho? A pergunta seguinte foi "como sobrevive este instrumento em Portugal? O que se fez dele e como está inserido na cultura portuguesa?" Isso deu corpo para começarmos uma pesquisa sobre o cavaquinho português, primeiro estudando a história do instrumento, conhecendo os principais músicos, as principais iniciativas. Inteirámo-nos com tudo o que foi possível estando ainda no Brasil. Entrámos em contato com investigadores, grupos e músicos, avisando nossa ida, criando relações mais estreitas. Deparámo-nos com um universo vasto de informações, personagens e cenas que seria impossível circunscrever a um único filme, daí a trilogia. E foi assim que também criámos um panorama o mais completo possível porque existem muitas pesquisas em etnomusicologia, documentários e reportagens na imprensa sobre os muitos "filhos" do cavaquinho que estão pelo mundo, tais como o ukulelê (Hawai), Keroncong (indonésia), e ainda o cavaquinho brasileiro, cavaquinho cabo-verdiano e a lista segue... Mas sobre o cavaquinho português, especificamente, quase não há nada, é quase nula a existência de um trabalho audiovisual feito exclusivamente para contar a história do instrumento somente no território português. Por isso a importância desta trilogia.


Em que é que consiste o documentário e como está estruturado?

Tentámos ser o mais abrangentes possível e elaborámos três aspetos que correspondem a cada filme: a origem, as mutações e o cavaquinho hoje na cultura portuguesa. Dentro deste pré-guião, o primeiro filme conta os causos do surgimento do instrumento, se concentrando na região do Minho, pelas bandas da cidade de Braga, e foi se expandindo, dando espaço para as inovações feitas pelos músicos de Coimbra, o estilo peculiar fruto de uma Lisboa cosmopolita, e as iniciativas no Alentejo e Algarve que, embora não tenham muita tradição com o cavaquinho detêm uma certa presença do instrumento. É na segunda longa-metragem que vamos destacar as questões mais técnicas: sobre afinações, mutações estruturais no corpo do instrumento, tipos de palhetadas e dedilhados. No último capítulo fazemos um apanhado sobre a presença do cavaquinho na música atual portuguesa, do pop ao rock, na tv, no rádio, bem como as iniciativas de manter viva a "pulga saltitante" na cultura recente do país. Ao todo, os três volumes juntos estão ligados enquanto narrativa apresentando um panorama específico sobre a influência do instrumento e a disseminação dele hoje em todo território português.

Onde serão exibidos os filmes? Como e quando será o lançamento?

A previsão é que seja lançado em junho em Braga, onde nasceu o cavaquinho, e vamos percorrer todas as cidades em que gravámos exibindo os filmes. Em cada lançamento convidaremos os grupos que participaram das gravações para se apresentarem. As exibições serão em locais públicos e gratuitas. Depois dessa maratona partiremos para as exibições fora de Portugal, junto das associações de imigrantes portuguesas em outros países da Europa e saindo posteriormente da Europa. Além disso, inscreveremos a trilogia em festivais de documentários musicais em todo o mundo, encontros e simpósios de world music, destinados a musicólogos, também às Televisões brasileiras, que têm interesse neste instrumento também tipicamente acarinhado na música brasileira.


Podemos dizer que o cavaquinho é um tesouro bem guardado em Portugal?

É sim. O português tem uma relação muito íntima com o cavaquinho porque o instrumento sempre esteve presente na sociedade, em grande ou pequena força. Nunca me deparei com um português que não soubesse o que era um cavaquinho, embora muitos deles não veem um, cara a cara, há anos. Mas uma coisa interessante é que quando chegamos ao país, achávamos que encontraríamos muitas coisas sobre o cavaquinho: livros, filmes, ensino nas escolas e nos conservatórios, e no entanto não foi essa a realidade. São muitas as causas que fizeram o cavaquinho perder um pouco do seu protagonismo, como o advento da concertina ou a força da música estrangeira que chega no país, mas como bem disse o etnomusicólogo José Alberto Sardinha "o cavaquinho nunca chegou a um período de quase extinção, houve momentos em que ficou de lado, esquecido, mas de sumir completamente, nunca".


Ao longo das inúmeras viagens que têm feito, há histórias que se repetem ou, por outro lado há sempre algo de novo e surpreendente para contar?

O que mais nos chamou a atenção foi o que o cavaquinho faz na vida da pessoa. Encontrámos grupos de aposentados que, após uma vida inteira em atividade profissional, encontrou tempo na reforma para aprender um instrumento e isso mudar completamente a sua vida, reinserindo-a noutro círculo social e artístico. Vimos também crianças tímidas perdendo a timidez, reconhecendo a sua musicalidade. Encontrámos músicos que tardiamente descobriram as possibilidades do cavaquinho e hoje o utilizam quase como instrumento principal. Nos surpreendíamos sempre com cada história. Entrevistámos uma senhora em Viseu que está com um problema nos olhos, quase perdendo a visão, e o cavaquinho não deixou que ela permanecesse em casa para o isolamento e a depressão, isso foi muito marcante para nós.


Como foram recebidos pelos construtores deste singular instrumento?

Foi interessantíssimo porque dedicámos um longo capítulo para os construtores. Embora o cavaquinho tenha suas medidas exatas e proporções definidas, há dezenas de formas de se construir um instrumento. Visitámos desde construtores artesanais que não utilizam máquinas em todo o processo, o mais "roots" possível, como a oficina do Sr. Domingos Machado e do filho Alfredo Machado, em Braga, como o Fernando Meireles em Coimbra, até mesmo as grandes fábricas que fazem todo o trabalho em maquinários, com produção em série. O construtor é muito importante no processo de evolução do instrumento. Fomos discutindo desde as medidas usadas nas gerações passadas (existe um documento de 1719 chamado "Regimento para Ofício de Violeiro" que serve como um manual prático destinado à construtores de violas, com medidas predefinidas e conselhos aos que decidem fabricar o instrumento). Mas muito já se modificou desde este livro, e cada construtor é livre e aberto para evoluções e projetos. Recentemente tivemos inclusive uma nova modificação no instrumento, que consiste em cortar o cavalete (pente) ao meio para se atingir uma afinação mais segura e eficaz. E as evoluções vão ser pra sempre.

Tinham antecipadamente noção da dimensão do universo do cavaquinho em Portugal?

Falamos da quantidade de músicos, construtores...
Fizemos uma grande pesquisa ainda no Brasil e planeávamos entrevistar cerca de 40 personagens, e esse número já está em 75 e ainda nem finalizámos totalmente as gravações. Descobrimos muitas coisas depois de chegarmos aqui e queremos ter ao máximo esta amplitude em toda a trilogia.


Qual foi o critério para a escolha dos entrevistados? Quem vos auxiliou nesta descoberta?

Procurámos personagens que pudessem representar estes três aspetos que elaborámos inicialmente: a origem, as mutações e o cavaquinho hoje. Assim, separámos por grupos como investigadores, músicos, construtores e pessoas que estavam ligadas ao universo do cavaquinho, como por exemplo, o presidente da câmara da cidade de Braga, Ricardo Rio, o diretor do Conservatório de Música de Coimbra, Manuel Rocha, o colecionador de cordofones José Lúcio, o maestro Virgílio Caseiro e outros mais. Não estávamos atrás do melhor em cada área porque entendemos que cada um tem o seu lugar no processo. É claro que um músico com trinta anos de estrada tem um peso maior do que um músico iniciante, o mesmo se aplica aos construtores, mas todos eles sem exceção pertencem a uma interface desde universo cavaquinístico e a ideia dos filmes é dar essa visão global. Então nesta conjuntura o Amadeu Magalhães, que é considerado um dos maiores instrumentistas do país e terá uma ligação com as senhorinhas da Universidade Sénior da Covilhã, que aprenderam a tocar durante a reforma e se apresentam regularmente em asilos e fundações de forma gratuita. Queremos mostrar o que se faz com o cavaquinho em todo o país.

Neste momento está a decorrer uma campanha de Crowdfunding‎ para que o projeto chegue a bom porto. Esta forma de financiamento sempre esteve prevista no vosso horizonte?

Inicialmente não. No nosso programa inicial pensámos em realizar 40 entrevistas, mas chegando aqui nos deparámos com outras personagens que não poderiam ficar de fora da trilogia. Por isso, acabámos por alongar as gravações e isso requer mais custos, tanto em estadia, alimentação e demais pormenores. Apesar de ter tido apoio da câmara de Tondela e Covilhã quando estivemos na região, com hospedagem, por exemplo, todo o financiamento até agora veio da nossa empresa Maranhas Filmes. Visando a conclusão das visitas às cidades (já percorremos 19 e são no total 25) e ainda a fabricação do box com os três filmes, decidimos criar uma campanha no PPL, é algo inédito para nós. Inclusive, segue o link http://ppl.com.pt/pt/prj/trilogia-documental-cavaquinhos.


Houve alguma zona do nosso país que vos tenha fascinado mais?

Viemos para cá com o espírito livre, prontos para conhecer as cores, os sabores, as sensações de cada parte de Portugal, sendo esta a primeira vez que estivemos aqui. Em cada região, do Minho até o Alentejo, todos são bem peculiares e diferentes uns dos outros. É incrível como Portugal, que tem 600 Km de extensão alberga tantos costumes e tradições espontâneas. A cada cinquenta quilómetros mudam-se a paisagem, as roupas e o modo de falar. Nós apaixonámo-nos por cada um destes lugares e gostamos de tudo um pouco. Não conseguiria dizer qual nos fascinou mais.

O conhecimento que têm vindo a construir ao longo desta experiência dá-vos ideias para outros documentários sobre a música portuguesa ou sobre alguma das suas particularidades?

Sim, já temos muitas ideias sim, sobretudo na questão dos cordofones, que são muitos. Mas não só projetos, desde que chegámos já gravámos um outro documentário sobre o Baião in Lisboa Festival, mostrando a relação da cena portuguesa com a música típica do nordeste brasileiro. E também iniciámos um novo projeto chamado ODEMIRA CANTANDO (www.facebook.com/odemira.cantando) em parceria com a Associação Multicultural de Odemira (AMO), e com a Escola de Música Tradicional de Odemira EMTO. A ideia é recolher canções antigas do conselho de Odemira. Inclusive é importante destacar que atualmente estamos residindo em Odemira. Como estamos no processo de decupagem e edição do material da trilogia (30 horas de gravações), escolhemos este conselho alentejano para nos dedicarmos mais tranquilamente a este processo. Assim, outras ideias estão surgindo para depois do lançamento da trilogia.

Muito obrigado por nos terem proporcionado este momento de partilha. Há algum aspeto que não tenhamos referido na entrevista e que considerem importante transmitir ao público?

Obrigado, nós é que agradecemos. Só queria dizer que estamos felizes pela forma como fomos recebidos aqui em Portugal.


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