Por Anaximandro S. Cavalcanti - Psicólogo
Nesta última semana, fomos outra vez fomos pegos por um ato de crueldade que chocou o pais e comoveu a todos nós. Estou falando do assassinato da menina Lavinia; e quem não se lembra dos pais de Suzane von Richthofen, João Helio, Izabela Nardone e Eloá Lindembergue mortos, tão brutalmente. Diante de tantos crimes cometidos com requintes de crueldade, vale uma pergunta; nosso convívio diário com essa forma de violência pode nos tornar também insensíveis à crueldade podedendo funcionar como ingrediente nos prazeres mais rebuscados?
Aqui pretendo trazer à cena a dinâmica da crueldade, tomando como referência um arcabouço teórico psicanalitico. Na psicanálise, a crueldade é relacionada com a perversão e comportamentos com características particularmente malignas mantendo uma curiosa relação com o narcisismo. Ela pode ser atribuída a uma tendência inata facilmente percebida na infância, podendo também ser explicada pela necessidade de seleção como características da evolução, pelo instinto de sobrevivência e pela competição sexual, sendo um fenômeno encontrado em toda a historia, e em todas as culturas.
A teoria freudiana aponta o esfacelamento da crença de que existe um “sentimento oceânico” indutor das relações humanas, pelo motivo mesmo de tais relações jamais serem mediadas pela compaixão ou respeito entre os homens. Para Freud usamos a violência como forma de dar vazão às nossas insatisfações pessoais causada pelas exigências da sociedade, que hoje faz exigências descabidas de renúncias, que acabam propiciando a infelicidade do indivíduo. Para amenizar essa infelicidade, a sociedade oferece as chamadas "satisfações substitutivas", que não conseguem suprir mais do que parcialmente o indivíduo. Essa frustração oriunda de tendências pulsionais não satisfeitas faz com que o psiquismo procure outras formas de descarga de energia e a violência pode ser a única válvula de escape encontrada pelo sujeito para lidar com o aumento crescente da tensão psíquica interna. Isso vale a todos nós, nossa predisposição inata à violência pode ser facilmente explicável pela necessidade da seleção dessa característica durante a evolução da nossa espécie. Somos todos descendentes de indivíduos que souberam caçar efetivamente, que venceram a competição sexual, que sobreviveram a guerras tribais e a todos os aspectos da violência. Ela se revela com clareza convivendo na personalidade do ser humano, está explicita no comportamento real do humano e é inerente a sua historia desde sua origem. Tem acompanhado a humanidade durante milênios, o próprio Jesus, lançou uma pergunta que continua atual: “como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.” (Mateus 12:34) Paulo de Tarso na sua carta aos romanos (7:19) tece comentários sobre as lutas que se deve travar para combater o mal em nós mesmos, em frase já célebre: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”.
Ninguém é totalmente livre de uma atitute psicopata aqui, outra acolá, imagine uma linha onde, em uma ponta esta o antisocial, que é o psicopata, e na outra ponta esta o altruista. A maioria da população oscila no meio, a cada momento pendendo para um lado. Se você às vezes mente para levar vantagem, ou se um dia resolveu não ajudar uma senhora a atravesar a rua, vá lá. Deve ser só um pouquinho psicopata. Todos nós temos uma especie de detector que emite julgamentos morais o tempo todo sobre tudo o que vemos. Vontades que poderiam nos colocar uns contra os outros são freadas pela empatia. Ela é a capacidade de nos colocarmos no lugar do próximo e nos sensibilizarmos com o sofrimento a que nossos atos possam levá-lo. Deixamos de prejudicar os outros, pois isso mesmo nos levaria a sofrer. Embora dotados da mesma racionalidade que nos define como especie, os psicopatas são desprovidos desse mecanismo de julgamento moral, por isso, incapazes de sentir pelos outros.
Segundo Pinheiro (2008), o princípio regulador da sociabilidade é a insatisfação e a conseqüente busca desenfreada pela satisfação, onde o vínculo social funciona como meio por onde o homem adquire seus objetos de desejo. Hora, a filosofia moral de hoje é: encontre em seu meio com o que se satisfazer plenamente, pois é legítimo ter o desejo, qualquer que seja, e é legítimo que ele encontre sua satisfação. Somos regidos por um individualismo sem bordas que nos faz viver numa espécie de coma da satisfação completa. Hoje o excesso não é mais vivido como transgressão, mas como prescrição. Hoje, parece que o “dizer não” perdeu o sentido. Vivemos numa época de overdose de consumo, onde podemos fazer e viver sem culpa. Com efeito, na medida em que se vive hoje numa cultura caracterizada pela ausência de limites, compreende-se o espaço que a violência vem tomando no cotidiano.