Tonny Cajazeira, com sua sanfona de 80 baixos
Fotos: Dewis Caldas
Sim, um astro brasileiro que você nunca ouviu falar. E nem adianta tentar reconhecer o nome ou a foto. É melhor se segurar onde está sentado porque vamos para a zona rural de uma pequena cidade no Estado do Maranhão. E, como chegamos lá, já tenho a sua licença para falar sobre a vida desse tal astro que você precisa conhecer. Mas antes preciso explicar o seu mundo: a cidade de Chapadinha é um importante município do norte do Estado, fica a 274 Km da capital São Luís e possui cerca de 90 mil habitantes. Atravessando os limites do município, lá pela estrada em direção do mato, por 12 quilômetros, você encontra um povoado chamado Cidade Nova. Ali mora Antonio Alves de Oliveira, um lavrador, semianalfabeto, mas também cantor, compositor e multiinstrumentista conhecido em toda a região pelo nome deTonny Cajazeira.
Tem cinco discos lançados recheados de ritmos típicos nordestinos como seresta nordestina, forró, baião, xote, bolero, reggae maranhense e arrocha. É considerado o precursor do ritmo brega na região do Baixo Parnaíba, que compreende boa parte da região norte do Estado. Filho de trabalhadores rurais, sempre viveu na roça, nunca teve um professor para ensiná-lo a cantar ou tocar qualquer instrumento e até hoje, aos 64 anos, nunca aprendeu a ler ou escrever. Mas, mesmo assim, sustentou os dez filhos por meio dos seus shows. Espera, sei que é possível que tenha ouvido pouca coisa sobre esses ritmos que citei acima, por isso, fiz uma coletânea especial para você ouvir enquanto lê esse texto (Clique
aqui).
“Sem professor nem nada”
Agora que já está ouvindo as músicas desse cabra (na gíria local: homem), começo falando dele a partir de um ponto de vista bem peculiar. Imagine um jovem aprendiz, num povoado igual a tantos outros do norte brasileiro, com toda a família analfabeta, moradores da zona rural, de repente vê alguém tocando um instrumento e – como mágica – aprende a tocar e a cantar sem quase nenhuma referência, sem modelos, sem músicos para ensinar. Continue pensando. Esse mesmo cabra, com tamanha falta de referências e mestres, acaba inventando um estilo bem peculiar de cantar, tocar e compor, e mesmo não sabendo ler, sustentou os dez filhos por meio da música, criando dezenas de hits na região. Virou o porta-voz da música na cidade.
Agora mesmo, enquanto penso nas linhas deste texto, estou no backstage do show em praça pública na cidade de Chapadinha, gravando cenas de um documentário sobre ele. Dez mil pessoas esperam o show. Ele está calmo, embora responda ao pé do ouvido: “Não, eu não fico nervoso mais não, mas sempre me dá um negócio aqui, um medinho, isso é o que eu mais gosto”. Ele subiu no palco minutos depois e fez um show daqueles que vão comentar no dia seguinte. E no dia seguinte, à tarde, estou sentado num tamborete feito com couro de animal, gravando uma das várias entrevistas que fiz com ele para o filme “O Astro do Maranhão”, começo a entender a formação musical no menino Tonny.
Uma das demonstrações mais impactantes do seu talento é a sua rapidez em fazer uma música. É só escolher um ritmo, dizer um assunto, que ele mistura tudo, como um repentista, faz a introdução, o solo, a melodia, e ainda conta uma piada no meio. Só que esse não é o grande segredo dele. O que chama a atenção para si é a capacidade de entreter qualquer um, seja com músicas ou simplesmente agindo como se fosse um crooner. Tonny não tem um único terno, mas seu cabelo está bem cuidado, a corrente de alumínio está mais brilhosa do que nunca, e o show está sempre pronto para começar. Esse foi o aspecto artístico que procurei retratar nesse documentário, na expectativa de que esse personagem – que tanto contribui para a formação musical local – não morra simplesmente após a sua morte.
O menino só queria um instrumento
Desde muito criança eu ia para as festas aqui na região e ficava a noite inteira sem tirar o olho dos tocadores, com a maior vontade de mexer nos instrumentos. Os dedos ficavam coçando, eu era apaixonado pela sanfona, mas não dizia nada pra ninguém dessa vontade louca. Até que um dia, quando eu tinha 8 anos, um primo meu apareceu lá em casa com uma sanfona. Ele saiu um pouco da sala e eu fui lá, escondido, peguei a sanfona, coloquei no corpo e já saiu uma música, de primeira. Minha mãe e meu irmão correram pra ver e ficaram admirados quando me viram tocando e ouvindo o som que vinha do instrumento
Mas as condições de vida da família não permitiam que o jovem pudesse seguir carreira artística. A lavoura o esperava, assim como a seus irmãos. Porém, daquele dia em diante, Tonny só pensava em tocar novamente uma sanfona. “Meu pai dizia que não queria saber de artista em casa e que era a enxada que seria meu instrumento. Aí fui ficando triste por dentro, uma criança sem alegria. Minha mãe viu meu jeito e pediu que meu pai desse um jeito e comprasse uma sanfona pra mim. Um dia minha mãe mandou eu ir numa loja em Chapadinha buscar uma mercadoria, mas não disse o que era. Eu fui e quando cheguei lá era uma sanfona de 80 baixos. Eu quase morri de alegria. Eu vim na bicicleta sorrindo para o sol, para os passarinhos. Cheguei em casa e desde então eu não queria nem comer, nem brincar nem nada, só ficava mexendo naquele instrumento bonito e grande”, revela.
Finalmente o jovem músico tinha seu próprio instrumento. Não demoraria muito para fazer seu primeiro show. “No outro dia eu já sabia várias músicas. Então dois dias depois eu comecei a costurar uma roupa pra mim, do jeito que eu tinha aprendido com minha mãe. Fiz minha primeira roupa de show. Aí meu pai me levou num povoado vizinho ao nosso – chamado Santa Fé – e eu toquei a noite todinha numa festa e foi a maior alegria do povo lá. Todo mundo gostou e meu pai ganhou um dinheiro bom e deixou eu tocar na noite daquele dia em diante. Eu nem queria saber de dinheiro, só pensava em ficar acordado de noite, tocando, fazendo a alegria das pessoas.”
Mesmo tocando e animando festas a vida toda, Tonny Cajazeira ganhou fama primeiro como compositor na região. Embora já tenha feito muitos shows, só entrou no estúdio pela primeira vez aos 50 anos. Músico nato e sem nenhuma habilidade com partituras ou até mesmo com a escrita, ele conta essa experiência: “Quando fui gravar o produtor me pediu as músicas anotadas, eu só apontei pra cabeça dizendo que tava tudo na minha cabeça, ele achou que eu era um louco e não queria gravar. Aí eu disse pra ele botar um E (Mi maior) no teclado, ele botou e eu já “arrochei” a primeira música, que foi a canção “A Gigana Falou”. Quando acabou, ele ficou espantando, aí pedi outro tom e já fomos gravando tudo, eu ia dizendo na boca como era os solos da introdução e as músicas foram surgindo. No final, ele disse que eu era um fenômeno”, lembra o músico.
Show de Tonny Cajazeiras na Praça do Povo,
na cidade de Chapadinha (MA)
O primeiro álbum levou o nome de Tonny Cajazeira para todo o estado do Maranhão e fora dele. Logo se expandiu com o ritmo brega nordestino (nascido no Pará, estado vizinho), ganhando força em toda a região. Suas músicas se tornaram um símbolo da cidade de Chapadinha, lugar para o qual rende muita de suas homenagens. É um orgulho local. Dizem ser ele um injustiçado por não ter tido a chance de mostrar seu talento para um público maior.
Atualmente Tonny faz cerca de três shows por semana viajando entre os povoados. Os hits mais conhecidos são os do primeiro disco, por isso, basta ele tocar qualquer coisa como “Cadeira de Bar”, “Pé de Cajazeira”, “Forma de Fazer Gente” ou a “Cigana Falou” que o sucesso é imediato. Seu maior sonho é “conseguir gravar as mais de 200 músicas já feitas que estão na minha cabeça e só consigo botar pra fora tocando”.
O jornalista e documentarista Dewis Caldas
entrevista Tonny Cajazeira
Que tal baixar toda a discografia?
[2012] – Volume cinco
Por: Dewis Caldas - Chapadinhense, Jornalista, documentarista e pesquisador musical. Sua vida é viajar por esse país colhendo histórias de Tonnys Cajazeiras, lambadões e outros tantos talentos não descobertos dos fundões musicais brasileiros.
PUBLICIDADE