Imagem meramente ilustrativa
As condições degradantes das cadeias, das delegacias e o sistema de segurança como um todo no Maranhão foram “destaque” na reportagem especial sobre o descaso das delegacias no País, exibida pelo Fantástico neste domingo. Um verdadeiro escândalo nacional.
As condições degradantes das cadeias, das delegacias e o sistema de segurança como um todo no Maranhão foram “destaque” na reportagem especial sobre o descaso das delegacias no País, exibida pelo Fantástico neste domingo. Um verdadeiro escândalo nacional.
“Desejava mais morrer do que ficar aqui dentro. Nesse sofrimento aqui, quero mais morrer”, conta um preso.
Olhando de perto, mais parece uma jaula, como se a gente estivesse em um zoológico. Uma situação nunca vista antes.
No interior do Maranhão, a “jaula” para seres humanos fica em uma delegacia. “Ela é destinada ao banho de sol e ao encontro de visitantes. Mas, na verdade, funciona como um depósito para colocar presos”, explica o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Maranhão, Amon Jessen.
Em outra parte da reportagem, o programa da Rede Globo, volta a falar sobre o Maranhão e cita a delegacia de Miranda do Norte. Um cenário de completo abandono, onde às 17 horas não tem nenhum policial civil e toda vez que tem alguma ocorrência na cidade, o investigador precisa sair da delegacia e fechar as portas.
E, mesmo se houvesse policial no prédio, continua o repórter, ‘ o atendimento seria precário. O computador não funciona. Na verdade, só existe o monitor, não tem mais nada. E o local tem muita sujeira.
Há 27 presos no local. A quantidade de mosquito, de sujeira é grande. O cheiro é muito forte. Os detentos, entre eles assassinos e assaltantes, só não fogem porque não querem. No local deveria haver cadeados, mas não tem. Tem só em um lugar. É possível ver que não é um cadeado reforçado.
Outra carceragem fica na delegacia de Santa Inês – cidade maranhense de 78 mil habitantes. Na parede, o aviso: “bem-vindo ao inferno”. Homens e mulheres cumprem pena no mesmo prédio. Elas ficam em uma sala improvisada como cela. Como não há banheiro, as mulheres usam um balde.
“As delegacias de policia servem apenas de depósito de pessoas humanas e, infelizmente, geralmente, saem piores do que entraram”, confessa Walter Nunes, do Conselho Nacional de Justiça.
E o que dizer quando o preso está do jeito que pode ser visto no vídeo? Fica na maior delegacia de Bacabal – cidade maranhense de 100 mil habitantes – a “jaula” mostrada no início dessa reportagem. Não tem água, não tem banheiro. Não tem teto e começa a chover. Sem opção, os presos ficam na chuva.
De manhã, os presos contam que o sofrimento durou a noite toda. “Agorinha, eu rezei para não chover mais. Se cair outra chuva aqui, Ave Maria, nós estamos mortos”, conta um preso, que não tem previsão de ir embora.
“É realmente uma situação que não é típica, que não deve ser constante e que realmente a gente precisa ver o que está acontecendo”, explica o secretario de Segurança do Maranhão, Aluísio Mendes.
Segundo o Ministério da Justiça, cerca de 57 mil detentos em delegacias em todo o país. O Conselho Nacional de Justiça afirma: distrito policial não é lugar de preso, e não só por causa da precariedade e do risco de fugas. “Na hora que tira o agente policial para guardar ou dar a guarda para pessoas que estão recolhidas, você inibe ou prejudica essa atividade investigatória”, conta Walter Nunes, do Conselho Nacional de Justiça.
A delegacia de Bacabal, onde a “jaula” foi encontrada, abriga outros 30 presos. A falta de higiene é tanta que os funcionários dizem criar uma jibóia, para que ela coma os ratos do local. Em um ambiente assim, como será o atendimento à população?
Ao ligar no telefone da delegacia, não funciona. Nem linha tem. “Não existe o atendimento, não existe a investigação. Às vezes, a policia consegue prender em situações ocasionais”, diz o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Maranhão, Amon Jessen.
Elson da Silva, de nove anos, está desaparecido desde dezembro de 2009. A família mora em uma comunidade isolada no oeste do Maranhão. Um suspeito chegou a ser preso, mas o caso foi arquivado, sem solução. “O que eles dizem é que não podem fazer nada. Porque não têm prova. Tinha que ter ido atrás dessas provas no início, no começo”, diz a mãe de Elson, Solange Machado.
Um delegado foi o primeiro a investigar o desaparecimento. Sem saber que a conversa era gravada, tentou se explicar: “A nossa viatura não tinha condições de deslocamento, porque a gente tem uma viatura aqui que só transita dentro da cidade porque ela não tem condições de viagem”.
Depois de passar pelo Goiás, a reportagem volta ao Maranhão e mostra Buriticupu, onde em 2007, a delegacia foi queimada em um protesto. Em 2011, continua a reportagem, “um novo prédio deve ser inaugurado. Por enquanto, o distrito policial funciona em uma casa improvisada. Às 14h, a delegacia de Buriticupu está fechada. Não tem ninguém.
A consequência da falta de policiais está por todo lado. O repórter pergunta se lá se pode andar sem cinto. “É, por aqui todo mundo anda”, conta um motorista. E, quando o repórter pergunta o porquê de ninguém usar capacete, um motoqueiro responde: “Porque aqui não tem lei”.
José Amaro, trabalhador rural, 46 anos, foi assassinado em março do ano passado. A sobrinha chegou a levar o corpo para a porta da delegacia. Mesmo assim, a polícia maranhense não registrou o boletim, nem começou as investigações.
Portanto, pelo menos no papel, José Amaro continua vivo. O repórter pergunta: “E eles falavam por que você não podia registrar?”. “Porque eu só era a sobrinha. Precisava ser uma pessoa mais próxima da família”, explica a sobrinha.
A polícia diz que, para legalizar a situação, a sobrinha teria que ir a um cartório que fica a mais de 500 quilômetros de distancia. “Que justiça é essa? O momento que a gente mais precisa, não consegue”, desabafa.
O lavrador Gilberto Lima, de 27 anos tem seis filhos e foi assassinado em junho de 2008, também no Maranhão. Em abril de 2009, a justiça decretou a prisão do suspeito de ser o mandante do crime: Adelson Araújo, um conhecido fazendeiro de Açailândia e patrão da vítima.
Gilberto estava com os salários atrasados, dizem os parentes. “Já tinha cobrado ele já umas três vezes e ele não pagava”, conta o irmão da vítima.
Mesmo com a ordem judicial, a polícia não fez nada. Foi a equipe de reportagem que encontrou Adelson Araújo. O fazendeiro suspeito de ser o mandante do crime mora em um bairro na cidade de Açailandia. É um senhor que pode ser visto no vídeo, de calça jeans e camisa branca e que está de costas para a equipe.
Em um bar ao lado da casa dele, Adelson Araújo dá risada, distribui cumprimentos. Segundo a Secretaria de Segurança, a prisão não foi cumprida porque a polícia espera desde julho do ano passado autorização judicial para prender mais 10 comparsas do fazendeiro.
“Nós acreditamos que a prisão de apenas um membro da quadrilha vai complicar a apuração do crime em si”, explica o secretario de segurança/MA, Aluísio Mendes.
Depois que o Fantástico informou a localização do fazendeiro para a Secretaria de Segurança e para o Tribunal de Justiça, todas as prisões foram decretadas em um dia. Sexta passada, Adelson Araújo e os dois filhos dele finalmente foram presos. Eles também são acusados de envolvimento no assassinato de outro funcionário da família.
“Nessa região, qualquer passo que se dê na justiça é uma grande vitória. E isso claro que reflete na violência porque as pessoas também ficam com a sensação de impunidade”, diz Nonnato Masson, da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão.
Durante a apuração desta reportagem, o Fantástico esteve em 21 delegacias. Foram flagrados mais de 150 presos em condições precárias. E 20 vítimas de crimes reclamaram da falta de atuação policial. Todos os casos foram repassados às autoridades. “A vítima está sempre em uma situação dolorosa. Ela tem que ser bem acolhida”, completa Nonato Masson.
“É fundamental que o estado assuma de fato o seu papel que, na realidade, é proteger e zelar para que todo e qualquer cidadão tenha os seus direitos respeitados”, diz Milton Teixeira, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos do Maranhão.