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sábado, 28 de janeiro de 2012

Blog de Portugal Entrevista Padre Neves

Passando uns breves dias em Portugal, no final de 2011, o Pe. Manuel Neves (foto), 70 anos, da Sociedade Missionária Boa-Nova, visitou o Correio do Vouga, acompanhado pelo Pe. Pedro José, que durante nove anos foi colega de missão no estado do Maranhão. Cansado, como disse, mas sempre animado, o Pe. Neves respira paixão pela missão e defende que todas as igrejas diocesanas têm a ganhar quando incentivam os seus padres a partirem por uns anos em missão. Entrevista conduzida por Jorge Pires Ferreira.


CORREIO DO VOUGA - Está há 34 anos no Brasil, na diocese do Brejo, estado do Maranhão, uma das regiões mais pobres do país…

 
MANUEL NEVES - Sim, demo-nos bem com o povo e parece que o povo não se deu mal connosco. A realidade do Maranhão é muito adversa a tudo, à lei, à justiça, a uma certa convivência social. Fui daqui sabendo como era aquilo por causa das telenovelas com fazendeiros e coronéis. Pensava que era tudo ficção. Cheguei lá e era verdade. Então, proclamámos a liberdade no meio do povo. Fomos demasiado apressados, mas fizemos como quando se tem que arrancar um dente. Ou sai de repente ou dói mais.


Essa ação libertadora, em favor do povo, trouxe-lhe dissabores?

Sofremos muito. Fui julgado três vezes. Primeiro por ser comunista, depois por ser agitadora das populações. Eu era agitador porque quando era julgado levava duas ou três mil pessoas comigo. Aquilo era um problema para a polícia. Em vez de eu ter medo, eles é que ficavam amedrontados, tudo por causa dos conflitos de terra.

 
Da esquerda para direita: Padres João, Neves, Pinho e Nuno (em Portugal)

O Pe. Neves defendia a reforma agrária?

A terra estava toda dividida por grandes fazendas, algumas de 50 mil hectares. Dentro havia pessoas que apenas tinham o direito de viver, os moradores. Não tinham direito de ter uma árvore sequer. Perante situações destas, tivemos de enfrentar e assumir. Isto foi no princípio. Proclamámos a reforma agrária. A minha paróquia deve ser o município do Maranhão que tem mais assentamentos [aldeamentos] da reforma agrária. As fazendas eram tiradas dos coronéis e dadas a uma comissão de moradores. Agora elas têm a propriedade, mas não podem vender. Senão, passado pouco tempo está tudo outra vez na mão dos coronéis.

No entanto, os resultados da reforma ficaram um pouco aquém do esperado…

Eu pensava que ia dar mais do que deu, porque deram a terra, mas não deram condições para trabalhar nela e o povo passa fome como antigamente. Estão melhores, porque não pagam metade do que cultivavam. Mas não trabalham bem na terra. O nosso trabalho passa também por fazer reuniões e seminários em que vem gente de outras dioceses e ensina a trabalhar na terra.

 
Agora, desde os tempos do Lula [anterior presidente do Brasil], manda o agronegócio. Vieram os gaúchos do sul e compraram as terras ao desbarato onde não havia reforma agrária. A minha paróquia foi totalmente invadida por quatro mil famílias que vieram desses terrenos comprados para cultivar soja. Os novos agricultores não precisam de mão-de-obra porque têm grandes máquinas. Pulverizam de avião e têm tratores como nunca vi na Europa. O povo só teve trabalho nas fazendas da soja no primeiro ano, a limpar as terras. O povo veio para a cidade. De que é que vive? Também me interrogo. O Maranhão era o segundo e agora é o estado mais pobre da federação do Brasil.

Mas na Europa há a ideia de que o Brasil está a dar um grande salto no combate à pobreza…

Noto que houve uma melhoria. O Lua foi um bom pai para os pobres, mas foi uma boa e generosa mãe para ao ricos. Ele pôs energia em todo o interior, ajudou os bancos, o agronegócio, paga 80 reais por cada filho das famílias pobres, paga 2000 reais por cada parto que a Igreja lhe faz. Arranjou as estradas. Foi um homem que nunca se afastou da base, continuou muito sensível à problemática da má distribuição social. Tirou 30 milhões de pessoas da miséria para a classe média. Os professores da minha paróquia quase todos têm carro. Vive-me muito melhor. Quando cheguei ao Brasil, andava de burro. O burro era tão pequeno que os meus pés tocavam no chão e estragava os sapatos. Depois arranjei uma bicicleta. Depois comprei uma moto. Agora ando de carro e o povo também, graças a Deus.

Há pouco tempo, os missionários da Boa Nova tiveram que deixar algumas paróquias…
 
Tínhamos três paróquias na diocese de Coroatá e cinco na diocese do Brejo. Mas tivemos que deixar algumas. Se eu tenho uma palavra a dizer é um grande agradecimento ao P.e Pedro José [atual vigário paroquial da Gafanha da Nazaré e da Encarnação] e a D. António Marcelino. O D. António Marcelino teve um projeto para que a diocese de Aveiro tivesse sempre uma presença de missionários. Ultimamente isso acabou porque vocês têm muita necessidade. Mas a missão de Igreja não é como o fado, que precisa de uma aprovação lá longe para nós o estimarmos aqui. Está na essência da própria Igreja. A missão “ad gentes” não empobrece nenhuma diocese. A Santa Sé e o núncio vêm buscar gente ao nosso instituto para pôr nas dioceses [referência a D. António Couto, novo bispo de Lamego, que era padre da Boa Nova]…. Tivemos que deixar quatro paróquias. Agora só temos duas. Chapadinha e outra a 110 quilómetros, entregue a outro padre do nosso instituto, Santa Quitéria.
Quantas pessoas tem, afinal, a sua paróquia?

Quando cheguei tinha 45 mil pessoas, agora tem 100 mil. E nós, padres, estamos velhos. Temos no interior 127 comunidades, isto é, grupinhos, uns pequenos e outros grandes, que temos de visitar pelo menos duas vezes por ano. A paróquia tem 170 quilómetros de comprimento de e 60 de largura. O D. António Couto vai ter uma diocese com 130 mil habitantes…

Como é a realidade pastoral?

O brasileiro é um homem festivo. O europeu é laborioso. Gostam muito de correr a plantar um pau de mandioca e depois ficam na varanda a olhar para o pau de mandioca a crescer. Quantas vezes passo por alguém e lhe pergunto porque já está sentado pela manhã… Ele responde-me que está cansado porque o sono da noite foi intenso.

De que é que aquele povo vive? Há muita gente que faz uma refeição só de farinha de pau [mandioca] para dar algum arroz aos filhos.

A realidade pastoral também mudou muito em comunidade. Na cidade, como veio muita gente do interior, construímos muitas igrejas. Ao princípio tinham 26 metros por 9. Agora faço-as a 35 por 13 metro. Fiz quatro nestes últimos dois anos.

O Pe. Neves é que faz as igrejas? Quem as projeta?

Temos umas 95 capelas feitas de tijolo e cobertas com telha. Na cidade temos 18 igrejas. Uma igreja com 13 por 35 metros é muito grande. Graças a Deus, enchem-se. Eu faço aquilo depressa. Não tem arquitetura. Fiz uma e deu certo. Agora só lhe mudo a frente, de resto é um barracão. Se eu fosse a demorar muito… Comissão de arte sacra? Nem arte nem muita sacralidade. Faz-se muito depressa para não chegar o tempo do paisagístico, do arquiteto, do engenheiro. O arquiteto e o engenheiro sou eu. O que a gente quer é um espaço grande para o povo reunir-se, e que tenha uma boa ventilação e bancos. Lá a liturgia é vivida. O povo ri. Faz perguntas...

Ainda sobre as igrejas, como arranja o dinheiro para as construir?

O povo é pobre, mas também não quero levar muito dinheiro daqui de Portugal. Não quero andar por aqui a pedir. Eu costumo dizer-lhes: “Vou fazer esta igreja. Vou precisar de 100 mil reais (40 mil euros), mas já há esse dinheiro. Esse dinheiro já existe. Só tem um problema: é que eu tenho de tirá-lo do vosso bolso”. Na brincadeira, na brincadeira, tenho levado o povo a colaborar. Os pobres são mais generosos do que os ricos. Os ricos ficam logo todos atrapalhados, os pobres ajudam. Fazem um leilão, uma festinha, um bingo, vendem doces e comida típica…

Venham-nos ajudar. Temos dificuldades e a diocese não tem padres. Nós, missionários da Boa Nova, queríamos deixar as paróquias. Estão a faltar as forças. Temos 70, 72, 82 anos, o que vamos fazer? Dividir a paróquia? Mas entregar a quem?

O Pe. Neves insiste no apelo. O que pode oferecer a missão?

É um povo que aceita bem, temos a pastoral familiar, da juventude, da criança, e a pastoral do sentadinho, que consiste em sentar e falar ao coração. Sendo um povo afetuoso, gosta que se lhe dê importância.

É um povo desprendido. Quando querem mudar de residência, basta uma carroça para levar tudo e ainda levam três ou quatro filhos em cima. Adere ao Evangelho com mais facilidade? Talvez. Passamos pela mata e vemos tanta pobreza, mas chegam à igreja e são a coisa mais alegre, cantam, dançam…

No Brasil, a Igreja é mais laical, mais leve, não é de cimento. Vive-se a fé, com os olhos na realidade. Os padres têm é que se preocupar com a formação dos leigos para agentes da pastoral e presidentes das comunidades litúrgicas. Há pouco tempo fomos à rua: 10 mil pessoas contra o aborto e o casamento gay. O povo não concorda, embora mais tarde ou mais cedo o casamento gay seja aprovado. A Igreja é mais comprometida, mais ativa, mais atenta à realidade.

O problema não é de comida. “Barriga de padre é cemitério de galinha”, costumo dizer. Eles tratam-nos bem. Mas é o cansaço, o carro que atola, as distâncias e os caminhos não cuidados. Vamos e ficamos abandonados. O único bispo que nos visitou foi D. António Marcelino. Visitou-nos e animou-nos. O povo ficou muito admirado.

A missão faz bem às igrejas que enviam?

Sem dúvida que faria bem aos padres e às comunidades de cá. Partir exige um pouco de aventura. Deixar a terra, a cultura, a língua, a maneira de ver a Igreja. Mas entramos em contacto com uma realidade mais animadora, mais jovem. Isso poderia dar um certo impulso às comunidades de cá. Tudo é missão, claro que é, mas o ir também anima muito os que cá ficam. Os bispos às vezes dispensam um padre, mas depois arrependem-se como se isso fosse pecado. Mas é uma virtude que se deveria impor a todos os bispos.

Do Blog Correio do Vouga (Portugal) - *No link ENTREVISTA

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